Wednesday, December 12, 2007

A Via Láctea





Viver é difícil. Este bem podia ser o epitáfio de A Via Láctea, de Lina Chamie. Não importa se você tem problemas. A vida prossegue. O despertador vai continuar tocando ensurdecedoramente, o trânsito continuará caótico e as buzinas também (aliás, como não levá-las para o lado pessoal certas vezes?). Seria tão bom convencer o mundo lá fora da urgência do silêncio, da delicadeza das palavras, por vezes, tão selvagens. A cidade existe além de nossos caprichos amorosos. A infinidade de possibilidades faz da metrópole o pesadelo dos indecisos. E sua incomunicabilidade estrutural muitas vezes nos transforma em cegos, surdos e mudos.


A Via Láctea é isso. É o homem pequeno em suas mini-verdades, é a tirania do acaso, é o ocaso de qualquer certeza. E o amor na cidade? Ele é difícil, como disse o Ferreira Gullar aí embaixo, mas pode luzir em qualquer ponto. E no auge da paixão, a cidade é vista do alto, da sacada da prepotência dos que amam. E vista de lá, a metrópole neon já anuncia o labirinto de luzes efêmeras do dia seguinte. O amor na cidade é qualquer coisa de muito sério. O encontro com o outro não é um evento isolado. A cidade se impõe praticamente como uma terceira pessoa na relação. Quanta coisa pode acontecer no trajeto até o seu “objeto de satisfação”. São encontros, desencontros e reencontros.
A vida é grande, decididamente. E eu aqui, tão pequena, com o meu pé quebrado...

Bem, vejam o filme.

Sunday, December 09, 2007

Um pouco mais de calma...

Muita gente diz que falo rápido. É porque penso muito rápido. Às vezes, me atropelo de pensamentos. Acho que isso acaba por se manifestar também na minha maneira de tocar piano. Gosto de músicas que pedem velocidade. Um mérito e um problema, dependendo do estilo de música. Talvez, por isso, goste tanto do jazz. É sair improvisando e dedilhando, sem ter que pensar muito. Quando comecei a tocar, treinava a velocidade desconsiderando o andamento das músicas. Meu pai me avisava que o piano não ia sair correndo. Simplesmente, atropelava tudo, tentando tocar o mais rápido possível. Pegava The entertainer, do Scott Joplin, e a executava duas vezes mais veloz que de costume. Blue Waltz do Coltrane é uma ótima música para treinar também. O pianista, MCcoy Tyner é simplesmente maravilhoso. Fico só babando e tentando humildemente chegar lá a cada execução. Apesar desta minha tendência de apressar as coisas, tocar Everytime we say goodbye, do Cole Porter, é uma grande lição de sutileza. Cada acorde é envolvente e toma seu tempo. Não achei nenhuma execução dela no piano (solo) e também não tenho nenhum áudio meu tocando-a, mas este vídeo do Coltrane com seu quarteto é lindo. Lá pelas tantas, o McCoy começa a improvisar...mas a melodia principal da música é de um jazz delicado que pede calma, muita calma...



On another note, a minha pressa também causa acidentes. Eu consegui a proeza de torcer o pé descendo do ônibus!! Resultado: pé imobilizado e 14 dias de licença no trabalho, pois a lei está do meu lado...chato, né?!

Monday, December 03, 2007

Amo esta música. Mas também o que eu não amo dos Beatles?

Adoro Billy Preston no piano...

Thursday, November 22, 2007

A Cidade




A vida bate

(Ferreira Gullar)



Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
- a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.
Não se trata do poema e sim da fome
de vida, o sôfrego pulsar entre constelações
e embrulhos, entre engulhos.
Alguns viajam, vão a Nova York, a Santiago
do Chile. Outros ficam
mesmo na Rua da Alfândega, detrás
de balcões e de guichês.
Todos te buscam, facho
de vida, escuro e claro,
que é mais que a água na grama
que o banho no mar, que o beijo
na boca, mais que a paixão na cama.
Todos te buscam e só alguns te acham.
Alguns te acham e te perdem.
Outros te acham e não te reconhecem
e há os que se perdem por te achar,
ó desatino
ó verdade, ó fome de vida!
O amor é difícil
mas pode luzir em qualquer ponto da cidade.
E estamos na cidade
sob as nuvens e entre as águas azuis.
A cidade. Vista do alto
ela é fabril e imaginária, se entrega inteira
como se estivesse pronta.
Vista do alto,
com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade
é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém.
Mas vista de perto,
revela o seu túrbido presente, sua
carnadura de pânico: as
pessoas que vão e vêm que entram e saem, que passam
sem rir, sem falar, entre apitos e gases. Ah, o escuro
sangue urbano movido a juros.
São pessoas que passam sem falar
e estão cheias de vozes e ruínas .
És Antônio?
És Francisco? És Mariana?
Onde escondeste o verde
clarão dos dias? Onde
escondeste a vida
que em teu olhar se apaga mal se acende?
E passamos carregados de flores sufocadas.
Mas, dentro, no coração,
eu sei,
a vida bate. Subterraneamente,
a vida bate.
Em Caracas, no Harlem, em Nova Delhi,
sob as penas da lei,
em teu pulso,
a vida bate.
E é essa clandestina esperança
misturada ao sal do mar que me sustenta
esta tarde
debruçado à janela de meu quarto em Ipanema
na América Latina.

Thursday, November 15, 2007

O guarda-chuva e o individualismo

Dias de chuva sempre conduzem a boas reflexões. Aquele tipo de discussão, de que depende toda a sua vida, surge nesses dias. O guarda-chuva sempre foi um objeto incômodo para mim. Incômodo por denunciar demais. Eu o elegeria como o símbolo máximo do individualismo na sociedade. Quer algo mais individualista que um guarda-chuva? É anatomicamente feito para uma pessoa só. Não conheço ninguém que se sinta bem, dividindo um guarda-chuva, independente do tamanho deste. Não dá! A pessoa sempre reclama que está pingando nela. Então, você tem que se contorcer para dar para os dois. Por mais que você aceite a suposta solidariedade daquele que se propõe a dividi-lo com você, fica sempre aquela sensação de que “tem gente demais aqui!”. E há também o perigo potencial do dito cujo. Já perdi a conta de quantas pessoas quase ceguei andando com aquilo.

Acho que se pode dizer muito sobre quem consegue manejar bem um guarda-chuva. Para começar, essa pessoa é muito equilibrada física e emocionalmente. No mínimo. Nada de comportamentos demasiadamente passionais. Saber a hora certa de dar aquela sutil “viradinha”, para não esbarrar com o outro que vem em sua direção, é uma arte! Sem contar que é também um desejo subconsciente de não se misturar e evitar dirigir-se ao infeliz para pedir desculpas. É o tal do “comportamento de reserva” do Georg Simmel. Aquele mesmo que faz com que, às vezes, se torne tão difícil se dirigir ao padeiro às 7 da manhã ou segurar o elevador quando você tem a opção de um trajeto livre do silêncio constrangedor. Então passamos rapidamente uns pelos outros, fazendo um enorme esforço para não sairmos de nosso taxímetro mental. Não importa se você está parado no ponto de ônibus e há alguém secretamente desejando que você ofereça uma cobertura. Quem mandou esquecer o guarda-chuva em casa, hein? Não vivemos mais no tempo em que dividir um guarda-chuva era exatamente isso: dividir um guarda-chuva! Somos de um tempo que teme sociopatas, psicóticos, ladrões, muitas vezes vítimas e frutos do mesmo individualismo de aqui falo.

Cultivamos um olhar cada vez mais blasé em relação ao outro. Às vezes, um simples artefato do cotidiano e como fazemos uso dele pode denunciar a distância emocional em que nos encontramos. Talvez um dia passem a fabricar“guarda-chuvas solidários”. Até lá, vamos pegando chuva mesmo ou usando casaco com capuz, só para garantir. Ah e é claro que é muita falta do que fazer minha escrever um texto falando sobre o que eu acho do guarda-chuva. Mas é o que eu disse. Dias de chuva. Falta do que fazer, oficina da bobagem...E como disse o Cazuza, "o que salva a gente é a futilidade".

Sunday, October 28, 2007





"Ele não olha nada;
ele retém para dentro
seu amor e seu medo:
é isto o Olhar."











(Roland Barthes, A câmara clara, 1980)
Foto: A. Kertész: O cãozinho, 1928


.

Thursday, October 25, 2007

Woody rules

Todo mundo conhece Woody Allen, o cineasta e ator de suas próprias neuroses. Nem todos tiveram a oportunidade de conhecer o Woody Allen escritor dos mais hilários contos. Recomendo, para um bom início, o maravilhoso Cuca fundida. Já li e reli inúmeras vezes como uma perfeita e fiel neurótica.
Hoje de manhã, me deparei com esta pérola do Woody que nunca havia lido, na revista Piauí. Bom demais!
Com vocês,
"Assim comia Zaratustra"....


http://www.revistapiaui.com.br/2007/fev/culinaria.htm

Wednesday, October 24, 2007

Thursday, October 04, 2007

Verdades que incomodam e libertam

Versos Íntimos
Augusto dos Anjos


Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo.
Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Sunday, September 23, 2007

Lágrimas no escuro



Duas semanas após ter visto o lindo drama russo O pequeno italiano, levo um verdadeiro soco no estômago ao ver Querô. O tema é o mesmo: o abandono. Mas os filmes têm realidades e modos muito distintos de lidar com o assunto. Se em O pequeno italiano o personagem (e a platéia) pode transitar entre dois universos, o da esperança e o da desesperança, Querô angustia pela percepção que imediatamente transmite, de que qualquer tentativa de fuga do personagem daquela realidade será infrutífera. Baseado na obra de Plínio Marcos, Querô é um menino órfão de uma prostituta suicida que sobrevive como pode nas ruas da cidade.O filme de Carlos Cortez remete ao inesquecível Pixote, a lei do mais fraco, de Hector Babenco, e para quem viu os dois, a constatação é desoladora: nada mudou daqueles anos 80 para cá.

Todos nós conhecemos Querô e é esta intimidade que é inquietante. O filme tem sem dúvida um caráter documental. Somos vítimas destas vítimas. Todos já escutamos ou estivemos em histórias de assaltos pelos famigerados “pivetes”. Entretanto, ao longo da trama, é impossível se escapar à dolorosa conclusão de que eles são tão mais vítimas do que nós. Vítimas da sociedade, de um sistema econômico excludente, vítimas de si mesmos e de sua própria impotência frente a um mundo que começam a conhecer e que tão poucas ilusões oferece. Isto não é discurso de esquerda e nem equivale dizer que todo bandido é sociologicamente justificado, mas menores que ainda não tiveram sua identidade totalmente forjada, ou melhor, que a tem pelo que apreendem do submundo não podem ser culpados por seus atos. Querô (apelido das ruas) quer ser Jerônimo (seu nome de fato), mas a realidade não dá tréguas. É o embate travado entre ser o que a sociedade impõe e estigmatiza e alguém melhor e além de sua condição social. Que alternativas o sistema oferece, afinal? Querô vai para a FEBEM e lá é brutalmente estuprado. O que seria uma chance de recuperação para o personagem neste momento? Li uma entrevista em que o diretor condena a questão da maioridade penal, pois seria como desistir destes meninos sem tentar. Querô ainda é capaz de amar e quando vê Lica (a garotinha por quem ele se apaixona) cantando como um anjo na igreja, em um momento de pureza e sonho para o personagem, a vontade de ser Jerônimo fala alto. Mas ser alguém sozinho é muito difícil.

É complicado para nós, classe-média, entendermos o que é este universo e perdoar quando uma pessoa de nosso convívio é assaltada de forma covarde. Mas o fato é que só se é capaz de sentir aquilo que conhecemos. Se amor, carinho, consideração e coisas tão primitivas como um teto, uma refeição nos é negado, o que resta é a revolta. “Raiva a gente não pede, a gente ganha”, nas palavras do próprio Querô. Aplausos para o diretor e sua câmera nervosa que divide a dor do personagem conosco e nos transporta para suas lembranças. A cena de estupro, que só será evocada através de curtos e confusos flashbacks, demarca a sensibilidade de Carlos Cortez. O escuro e o silêncio mostram tudo sem precisar mostrar nada.

E que um dia seja permitido aos Querôs serem Jerônimos. E para a platéia fica a mensagem da placa da estação de trem que aparece momentaneamente no filme, mas de maneira muito oportuna e subliminar: “pare, olhe, escute”.

Wednesday, September 19, 2007

John & Yoko – uma história de...horror! – o filme

O Youtube não cansa de me surpreender. “John e Yoko- uma historia de amor” é um clássico filme B e daqueles difíceis de achar. Eu era muito pequena quando vi pela primeira vez e como estava no auge da minha beatlemania (como início de namoro) qualquer coisa que mencionasse os Beatles, eu estava perdendo meu tempo. Na época, adorei o filme! Um detalhe muito interessante e hilário é que John e Yoko passou no SBT e todos sabemos como a emissora do Silvio tem um senso de ridículo bastante distinto, certo? Pois é...eles colocaram o mesmo indivíduo que dubla o Chaves para fazer a dublagem do John Lennon postiço. Agora, imaginem o John Lennon com a voz do Chaves? É realmente de matar! Me diverti muito revendo isso, pena não estar dublado!



_ Notem a cara dos “Beatles” quando John e Yoko estão se beijando! Os atores realmente têm uma interpretação muito sutil!
_ Verdade seja dita, o filme foi muito gentil com a Yoko. A atriz escolhida não é feia. Até gosto da Yoko pelo simples fato de que ela foi a mulher do John e isto não é pouca coisa, mas ela não era o que poderíamos chamar de uma "mulher bonita".
_ Ao mesmo tempo, o filme foi injusto ao confirmar Yoko como a grande destruidora do grupo. Ela foi no máximo um catalisador. Foram 10 anos de estrada e como lembrou meu colega de assessoria PH, os Beatles deixaram um “cadáver perfeito”. Quem disse isso mesmo, Pedro?
_ O filme tem outros erros grosseiros que tirariam qualquer beatlemaníaco do sério, mas infelizmente (ou felizmente) não aparecem nesta humilde compilação. Um dos furos de que me recordo é do “John” lançando o álbum Help de bigode, visual que só adotaria a partir do Sgt. Peppers.

Wednesday, September 05, 2007

Pura perfeição

Ainda pretendo falar sobre Morte em Veneza aqui no blog. Por hora, vou deixá-los com o que considero ser uma das coisas mais lindas que já escutei. Eu poderia ficar até amanhã falando sobre o talento de Mahler, mas acredito que com o seu Adagietto, tudo está dito.

Monday, August 20, 2007

Flanêur do amor

A uma passante

A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.

Pernas de estátua, era-lhe a imagem nobre e fina.
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.

Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?

Longe daqui! Tarde demais! Nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!



CHARLES BAUDELAIRE

Saturday, August 18, 2007

O Lobo na Lapa

Quando fui ao show do Lobão no Vivo Rio, achei que sua performance seria insuperável. Me enganei. O show do Circo Voador, na última sexta-feira, foi absolutamente delirante. Lobão cantou Beatles, Raul Seixas e incluiu ótimas versões de músicas como Vida bandida e Vida louca vida, que ganhou uma roupagem soul. Até Mal Nenhum (uma de minhas prediletas), para minha surpresa, entrou na canja. O show teve de tudo. O destaque vai para Corações Psicodélicos e a empolgação de uma mulher que sentou no colo do grande lobo e tirou o sutiã, perdendo qualquer “complexo de decência”! Lobão, que já deve ter visto de tudo nesta vida, parecia não acreditar no que estava acontecendo. A partir daí, foi um festival de gente subindo no palco e cantando junto com ele. O cantor estava no auge de sua simpatia, super engraçado e brincalhão. Quem esteve lá, tenho certeza que nao esquecerá. Fiquei de cara para o palco!
É, Lobão... gosto muito do seu jeito rock´n roll meio nonsense!

É ver para crer!

Thursday, August 09, 2007

Coisas de pai...

Por um filme chamado Joanna (com 2 n´s mesmo), não pude ter a honra de ter uma música dos Beatles com meu nome...fazer o quê, né? Bom, meu pai viu este filme de 1968 e adorou a personagem. Desde então, tenho procurado este maldito filme mas não acho. A única coisa que sei é que é com o Donald Sutherland, graças ao IMDB. Sabe-se lá porque, meu pai, uma pessoa que não preserva uma boa memória (até pouco tempo ele achava que eu tinha 23 anos), tem a música na cabeça. Ele costumava cantarolar os versos, enquanto dirigia. Acabei baixando e me apaixonei. Infelizmente, não sei postar links de música, mas a letra é bonitinha. Sei muito vagamente o enredo de Joanna, mas sempre que a escuto imagino cenas do filme...vai entender....

I´ll catch the sun (Rod Mckuen)


I'll catch the sun
and never give it back again.
I'll catch the sun
and keep it for my own
And in a world
Where no one understands
I'll take my outstretched hand
and offer it, to anyone

Who comes along
and tells me he's in need of love
in need of hope
or maybe just a friend.
Perhaps in time,
I'll even share my sun
with that new anyone
to whom I gave my hand.

Perhaps in time,
I'll even share my sun
with that new anyone
to whom I gave my hand.

Tuesday, August 07, 2007

Um belo clichê...


Não conhecia o trabalho de François Ozon, quando fui assistir O tempo que resta. Gostei tanto que devo ter ido umas 4 vezes no Cine Arte Uff.O filme é lindíssimo. Li muitas críticas acusando o diretor de tratar a morte de forma clichê. Bom, a morte é um clichê mesmo. O que passaria na cabeça destes críticos se estivessem vivendo seus últimos dias?? Provavelmente, o mesmo que passaria na cabeça de todos nós. O que poderíamos ter feito e que não fizemos, o que fizemos e nos arrependemos e o que ainda nos resta.
O filme é basicamente isto. Roman é um fotógrafo de moda bem–sucedido e arrogante que descobre que está com um câncer incurável. Nenhuma esperança lhe é dada. Isto tudo logo no início do filme. Não há nenhuma batalha a ser travada, nenhum amor capaz de oferecer redenção, nenhum destes enredos hollywodianos....Roman está condenado. Ponto. E agora? O que Ozon faz é trabalhar com os espaços que separam o personagem de todos aqueles com quem ele se relaciona ao longo do filme. Por diversas vezes, o confronto é consigo mesmo na infância. Uma das cenas mais bonitas, porém, é quando o fotógrafo se reconcilia com a irmã, com quem vivia em pé de guerra. Claire está em um parque com os filhos, quando recebe a ligação do irmão. Roman pede desculpas e diz que gostaria de vê-la, “mas não hoje”. Claire se emociona e agradece o gesto. A câmera se distancia e avistamos Roman atrás de uma árvore, ao telefone. É o espaço intransponível entre os dois.
Símbolos de vida e morte permeiam a trajetória do personagem, a repousar na penumbra de uma morte anunciada. O filho que ele nunca verá, o sobrinho recém-nascido e a avó, a única a quem ele confidencia a doença com a seguinte justificativa “sei que você me entenderá, pois também morrerá em breve”. Também é certeiro o simbolismo da profissão de Roman no filme. É interessante notar a mudança de perspectiva no olhar do fotógrafo, antes dirigido ao glamour. As imagens que ele de alguma forma quer “levar” consigo são, na melhor alusão a Roland Barthes e sua Câmera Clara,“vestígios” daqueles que ele ama e uma tentativa de eternizar momentos que não mais se repetirão.
O final, que obviamente não é nenhuma surpresa, evoca Morte em Veneza com uma belíssima fotografia de uma morte ao pôr do sol. Uma estranha calmaria navega pelo filme. Quem está do outro lado da tela não sente aflição, nem mesmo angústia. Apenas assistimos a uma doce melancolia e a uma dor resignada. É a dor da morte, do irremediável que dispensa a angústia, pois ela só habita na possibilidade e na dúvida. E isto não é um filme de amor...
A história é curta, assim como o tempo do personagem. Eu saí do cinema com o título na cabeça.O tempo que resta...Pra quê? Somos todos iguais a Roman desde a hora em que nascemos. Estamos todos aproveitando o tempo que nos resta, pois já que tudo é um grande clichê, nunca se sabe o dia de amanhã. CARPE DIEM.